segunda-feira, 29 de março de 2021

Crescimento de problemas reprodutivos em homens e mulheres em todo mundo preocupa médicos: Substâncias químicas presentes no cotidiano moderno causam crescimento anual de 1% em problemas como aborto espontâneo, disfunção erétil e ocorrência de câncer de testículo, alem de queda da fertilidade total

Quando escuta a expressão “os 1%”, a maioria das pessoas associa aos padrões socioeconômicos e ao 1% das pessoas que detém a maior parte da riqueza ou da renda nos Estados Unidos. Esta é a forma mais comum de uso desta expressão. Mas nós raciocinamos diferente. Nós pensamos que todo o espectro de problemas reprodutivos que afeta os homens está aumentando cerca de 1% ao ano nos países ocidentais. Este “efeito 1%” inclui as taxas de contagem decrescente de esperma, os níveis decrescentes de testosterona e as taxas crescentes de câncer testicular, bem como um aumento na prevalência da disfunção erétil. 
No lado feminino da equação, as taxas de aborto espontâneo também estão aumentando cerca de 1% ao ano nos EUA, assim como a taxa de barriga de aluguel gestacional. Enquanto isso, a taxa de fertilidade total em todo o mundo vem caindo quase 1% ao ano, de 1960 a 2018.
Quando as pessoas escutam isso, o instinto natural mais frequente é ignorar o assunto, pensando que 1% ao ano não é realmente uma grande coisa. Mas é! Isso soma mais de 10% por década — e mais de 50% ao longo de 50 anos. Quando consideramos que a contagem de espermatozóides diminuiu 50% em apenas 40 anos, como mostrou a meta-análise de Shanna H. Swan publicada em uma edição de 2017 da revista Human Reproduction Update, é difícil negar ou desconsiderar o fato de que isso é alarmante.
Continuemos a raciocinar: onde está a indignação com relação a essa questão? O declínio anual de 1% na saúde reprodutiva é mais rápido do que a taxa de aquecimento global (felizmente!) — e mesmo assim, as pessoas estão revoltadas com o aquecimento global (e com razão), mas não com esses efeitos sobre a saúde reprodutiva. Para colocar em perspectiva o efeito 1%, considere o seguinte: os dados científicos mostram um aumento de 1,1% ao ano, entre 2000 e 2016, no número de crianças diagnosticadas com transtorno do espectro autista, de acordo com os Centros para Controle e Prevenção de Doenças. As pessoas estão nervosas quanto a isso, com razão.
Por que as pessoas não ficam igualmente preocupadas com danos reprodutivos em homens e nas mulheres? Talvez seja porque muitos não percebem que essas mudanças preocupantes estão em andamento, ou que elas estejam avançando no mesmo ritmo. Mas todo mundo deveria se preocupar. Afinal, essas mudanças reprodutivas dificilmente podem ser uma coincidência, pois são demasiado simultâneas para que fosse coincidência.
A verdade é que esses efeitos na saúde reprodutiva estão interligados. E, em grande parte, são gerados pela mesma causa: a presença de substâncias químicas que alteram os hormônios (também conhecidos como desreguladores endócrinos ou EDCs) em nosso cotidiano. Essas substâncias químicas capazes de sequestrar hormônios, que incluem ftalatos, bisfenol A e retardantes de chamas entre outras, tornaram-se onipresentes na vida moderna. Estão nas garrafas de água e nas embalagens de alimentos, nos aparelhos eletrônicos, nos produtos de higiene pessoal, nos materiais de limpeza e em vários outros itens que usamos regularmente. E começaram a ser produzidos em números crescentes depois de 1950, quando teve início o declínio da fertilidade e da contagem de espermatozoides.
A exposição a esses produtos químicos é particularmente problemática durante a gravidez, porque o que acontece durante esse período não acaba ali. Na verdade, a exposição de uma futura mãe a produtos químicos tóxicos no ar que ela respira, na água que bebe, nos alimentos que consome e nos produtos que passa na pele podem entrar em seu corpo (e, portanto, no feto), e influenciar o desenvolvimento reprodutivo de seu bebê. Isso é especialmente válido no início da gravidez — momento chamado de janela de programação fetal —, principalmente para bebês do sexo masculino. 
Por exemplo, se uma mulher é exposta a substâncias químicas que bloqueiam a ação dos andrógenos durante o primeiro trimestre da gravidez, isso pode afetar o desenvolvimento reprodutivo do feto masculino de vários maneiras. Pode, por exemplo, resultar em um encurtamento da distância anogenital (AGD) — a extensão que vai desde o ânus à base do pênis — o que é bem significativo, porque a pesquisa mostrou que uma AGD mais curta está correlacionada a um pênis menor e, no adulto, um menor contagem de esperma. 
Além disso, uma desregulação pré-natal do sistema hormonal masculino pode resultar em níveis reduzidos de testosterona e no aumento do risco de um menino ter testículos não descidos (criptorquidia) ou um tipo específico de pênis malformado (hipospádia) ao nascer. E, se um menino nascer com esses defeitos genitais, ele terá um risco maior de possuir baixa contagem de esperma e, quando adulto, de desenvolver câncer nos testículos. 
Este conjunto de problemas reprodutivos correlacionados em homens e mulheres traz enormes desafios para a população mundial. Existe o desafio óbvio relacionado a questões de fertilidade e do declínio da taxa de natalidade. Mas a desregulação endócrina também está envolvida no no aumento das taxas de doenças autoimunes, e também na crescente epidemia de obesidade e síndrome metabólica (condições que aumentam o risco de doenças cardíacas, derrame e diabetes tipo 2). Alguns desses efeitos reprodutivos estão até mesmo associados a um risco maior de mortes prematuras. 
Para dizer o mínimo, essas questões são mais importantes do que aquele “1%” do qual as pessoas costumam prestar atenção, o que significa: precisamos mudar nosso foco coletivo. É hora de colocar como prioridade a exigência de que produtos químicos que perturbam o sistema endócrino, utilizados em produtos de uso diário, sejam substituídos por produtos químicos que não afetem nossos hormônios e não contaminem o meio ambiente.
Também é hora de adotar metodologias de testagem melhores e ações regulatórias para assegurar que apenas produtos químicos seguros possam entrar no mercado, e em nossos corpos. Em outras palavras: precisamos parar de usar uns aos outros, e também nossos filhos não nascidos, como ratos de laboratório para exposições aos EDC. A saúde e o futuro da raça humana realmente dependem disso.

Crédito: KTS Images/Envato Elements

Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a visão dos editores de Scientific American Brasil.
*Por Shanna H. Swan (professora de Medicina Ambiental e Saúde Pública na Escola de Medicina Icahn no Monte Sinai) e Stacey Colino (escritora especializado em questões ambientais e de saúde), autoras do livro “COUNT DOWN: How Our Modern World is Threatment Sperm Counts, Altering Masculino and Female Productive Development, and Risk the Future of the Human Race”. 
Publicado em 17/03/2021

segunda-feira, 15 de março de 2021

Fiocruz recebe primeiro registro da Anvisa para vacina Covid-19 produzida no Brasil

Na manhã de sexta-feira (12/3), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) concedeu o registro definitivo da vacina Covid-19 Fiocruz. Com isso, a Fiocruz passa a ser a detentora do primeiro registro de uma vacina covid-19 produzida no país e incorpora ao seu portfolio de produção a décima primeira vacina a ser fornecida para o Programa Nacional de Imunizações (PNI). Com o registro, a expectativa é de que a Anvisa autorize a liberação dos primeiros lotes até este domingo (14/3) para que, na próxima semana, a Fiocruz já possa entregar ao PNI o primeiro milhão de vacinas Covid-19 produzidas pela instituição.
“Apenas seis meses após a assinatura do Contrato de Encomenda Tecnológica, já iniciamos a produção de uma vacina contra a Covid-19, baseada em uma das tecnologias mais avançadas no momento, e obtivemos o seu registro para ampla distribuição no país. A urgência que a gravidade dessa pandemia nos impõe fez com que todos os envolvidos trabalhassem incansavelmente e pudessem realizar em meses um processo que, normalmente, dura anos. Isso também não seria possível sem todo o apoio técnico da Anvisa em cada etapa do processo de submissão contínua. Trata-se de um dia histórico para a Fiocruz e para o Sistema Único de Saúde”, destaca a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima.
Na sexta-feira (12/3), foi iniciada também uma segunda linha de produção da vacina, o que aumenta a capacidade produtiva do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz). A expectativa é chegar até o final do mês com uma produção de cerca de um milhão de doses por dia.
Para Mauricio Zuma, diretor de Bio-Manguinhos/Fiocruz, “o registro definitivo da vacina Covid-19 é resultado de intenso trabalho, em estreita parceria com a Anvisa, desde junho do ano passado, por meio de reuniões e envio de informações de forma contínua para que tudo pudesse acontecer com a maior celeridade possível. Com isso, a partir da próxima semana passaremos a entregar a vacina processada internamente ao Programa Nacional de Imunizações, contribuindo definitivamente com o combate à pandemia no país”.
Uma das vantagens de um registro definitivo para a vacina é a possibilidade de uma imunização em massa no país, ampliando o público que passa a poder tomar a vacina para adultos maiores de 18 anos, conforme indicado na bula. Com a autorização para uso emergencial, a vacina ficava restrita a públicos pré-determinados. Vale destacar que o registro emergencial continua valendo para a vacinas prontas importadas do Instituto Serum, na Índia.
“Uma vacina registrada pela Agência, com uma etapa de produção já realizada no Brasil, representa maior autonomia ao país e acesso à vacina”, esclarece o gerente-geral de medicamentos da Anvisa, Gustavo Mendes, durante o comunicado transmitido pela Agência.
Como produtora da vacina no Brasil, a Fiocruz passa a ter também toda a responsabilidade técnica sobre ela, como já ocorre com as demais vacinas produzidas pela instituição e distribuídas para o SUS. A segurança da vacina foi amplamente estudada em ensaios clínicos de fase I, II e III, tendo seus dados publicados em revistas científicas reconhecidas internacionalmente. Sua segurança tem sido reiterada também por diversas agências regulatórias internacionais.
Na quinta-feira (11/3), a agência regulatória da União Europeia (European Medicines Agency – EMA) emitiu comunicado sobre a suspensão temporária da vacinação, adotada nos últimos dias por alguns países da Europa. A agência disse estar investigando os casos relatados, mas afirma não haver indicação para suspensão da administração da vacina. Segundo Agência, não há nada, até o momento, que indique uma relação desses eventos com a vacina, uma vez que eles não constam como efeitos colaterais esperados da vacina e o número de casos de trombose também não têm aumentado com a vacinação.
Representante da Organização Mundial da Saúde (OMS), Margareth Harris também se posicionou, nesta sexta-feira (12/3), em entrevista sobre o tema ao afirmar que a vacina da AstraZeneca é excelente. Segundo Harris, nenhuma relação causal foi demonstrada entre a vacina e relatos de coágulos sanguíneos, não havendo, portanto, motivos para suspender a vacinação.


terça-feira, 2 de março de 2021

Física Yvonne Primerano Mascarenhas é primeira mulher a receber prêmio da Sociedade Brasileira de Física: pesquisadora atuou em instituições como Harvard e e Princeton, e foi elemento chave para o desenvolvimento da pesquisa em cristalografia no Brasil

A Sociedade Brasileira de Física anunciou que Yvonne Primerano Mascarenhas foi a ganhadora do Prêmio Joaquim da Costa Ribeiro de 2021. Segundo o anúncio, ela foi escolhida “por suas atividades de pesquisa pioneiras em cristalografia de raios X e por iniciar uma sólida comunidade científica nesta área no Brasil”. Outorgado pela instituição desde 2019,o prêmio Joaquim da Costa Ribeiro é uma distinção que foca especificamente a contribuição de cientistas para a área de física da matéria condensada e de materiais, ao longo da carreira. Mascarenhas é a primeira mulher a ganhar a láurea.
Yvonne Primerano Mascarenhas nasceu em Pederneiras, interior de São Paulo, em 1931. Após mudar-se para o Rio de Janeiro com a família, formou-se Bacharel em Química em 1954 pela Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil. Em 1956 mudou-se para São Carlos–SP e, junto com seu esposo, Sergio Mascarenhas, abraçou o desafio de tornar a cidade um centro de referência internacional em pesquisa de Materiais. Como a primeira mulher a ocupar uma cadeira na Escola de Engenharia da Universidade de São Paulo em São Carlos, viria a desempenhar um papel fundamental na atração de outros pesquisadores brasileiros e estrangeiros de altíssimo nível para a cidade, tendo também atuado como pivô na fundação do então Instituto de Física e Química de São Carlos (IFQSC). Em 1959, recebeu uma bolsa de estudos Fullbright e passou dois anos trabalhando no laboratório de G. A. Jeffrey e B. Craven, na Universidade de Pittsburgh, EUA.
Era o início de sua paixão pela Cristalografia e um importante passo para a introdução e consolidação dessa área de pesquisa no Brasil. Ela foi fundadora e primeira presidente da Associação Brasileira de Cristalografia (ABCr), onde também atuou em outras funções, e trabalhou em instituições de prestígio como Harvard, Princeton e Birkbeck College, e participou do grupo responsável pelo desenvolvimento do banco de dados cristalográficos de Cambridge (CCDC).
Yvonne Mascarenhas supervisionou cerca de 40 estudantes de mestrado e doutorado, publicou aproximadamente 200 artigos indexados e produziu numerosas contribuições em conferências e simpósios. Seu grupo de pesquisa se tornou um dos centros mais importantes em Cristalografia Química e Biologia Estrutural da América do Sul. Entre seus feitos, destaca-se a colaboração que resultou na determinação da estrutura cristalina da oxitocina (Science, 1986) e de toxinas de veneno de cobras (Eur. Biophys. J., 1992). Mãe de quatro filhos, Yvonne foi apontada pela SBF como “não somente um ícone da ciência brasileira, mas um motivo de grande orgulho e exemplo para suas colegas, mulheres, cientistas.”
O prêmio será entregue em sessão solene durante o Encontro de Outono da Sociedade Brasileira de Física, entre 21 e 25 de junho. http://sbfisica.org.br/~eosbf/2021/index.php/pt/

A física Yvonne Mascarenhas é a primeira mulher a receber o prêmio


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