sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Novembro Azul

O mês de Novembro é o mês oficial do combate mundial ao câncer de próstata. O câncer de próstata, tipo mais comum entre os homens, é a causa de morte de 28,6% da população masculina que desenvolve neoplasias malignas. No Brasil, um homem morre a cada 38 minutos devido ao câncer de próstata, segundo os dados mais recentes do Instituto Nacional do Câncer (Inca).
A próstata é uma glândula do sistema reprodutor masculino, que pesa cerca de 20 gramas, e se assemelha a uma castanha. Ela localiza-se abaixo da bexiga e sua principal função, juntamente com as vesículas seminais, é produzir o esperma.
Na fase inicial, o câncer de próstata não apresenta sintomas e quando alguns sinais começam a aparecer, cerca de 95% dos tumores já estão em fase avançada, dificultando a cura. Na fase avançada, os sintomas são dor óssea, dores ao urinar, vontade de urinar com frequência e presença de sangue na urina e/ou no sêmen.
Os fatores de risco são histórico familiar de câncer de próstata: pai, irmão e tio; raça: homens negros sofrem maior incidência deste tipo de câncer; obesidade.
A única forma de garantir a cura do câncer de próstata é o diagnóstico precoce. Mesmo na ausência de sintomas, homens a partir dos 45 anos com fatores de risco, ou 50 anos sem estes fatores, devem ir ao urologista para conversar sobre o exame de toque retal, que permite ao médico avaliar alterações da glândula, como endurecimento e presença de nódulos suspeitos, e sobre o exame de sangue PSA (antígeno prostático específico). Cerca de 20% dos pacientes com câncer de próstata são diagnosticados somente pela alteração no toque retal. Outros exames poderão ser solicitados se houver suspeita de câncer de próstata, como as biópsias, que retiram fragmentos da próstata para análise, guiadas pelo ultrassom transretal.
A indicação da melhor forma de tratamento vai depender de vários aspectos, como estado de saúde atual, estadiamento da doença e expectativa de vida. Em casos de tumores de baixa agressividade há a opção da vigilância ativa, na qual periodicamente se faz um monitoramento da evolução da doença intervindo se houver progressão da mesma.



quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Estamos preparados para lidar com as alterações genéticas?

Alterações genéticas podem se tornar uma das ferramentas mais poderosas no tratamento de doenças, mas será que podem mudar o que significa ser humano?

Um dos momentos mais memoráveis no grande sucesso de bilheteria de 1993, Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros, dirigido por Steven Spielberg, é a tensa conversa entre os cientistas em uma mesa de jantar sobre a ética de usar engenharia genética no parque. O principal argumento é usado pelo personagem de Jeff Goldblum, o teórico do caos Ian Malcolm:
“O poder genético é a força mais incrível que o planeta já viu, mas vocês o utilizam como uma criança que encontrou o revólver do pai... os cientistas estavam tão preocupados com o que poderiam ou não fazer, mas não pararam para pensar se deveriam.”
Isso foi em 1993. A ciência genética mudou muito deste então. Em 1996, a ovelha Dolly se tornou o primeiro animal totalmente clonado. E, em 2003, o genoma humano foi finalmente sequenciado integralmente.
Em novembro de 2017, tivemos o mais recente marco nesta relação cada vez mais íntima e complexa com nossos genes. Brian Madeux, um californiano de 44 anos, recebeu uma injeção com cópias de um gene corretivo na tentativa de curá-lo da síndrome de Hunter. A injeção visava alterar diretamente o código genético de Madeux, removendo partes defeituosas de seu genoma.
Em caso de êxito, esse tratamento representará um passo importante nas aplicações médicas da tecnologia de alteração genética. Mas será que estamos abrindo uma caixa de Pandora? Agora que podemos, será que não precisamos parar e perguntar se realmente devemos?

Estamos alterando nossos genes, ou os genes das próximas gerações?

Antes de mais nada, é importante diferenciar dois tipos de modificação genética: somática e germinativa.
Cada organismo multicelular tem dois tipos de células: somáticas e germinativas. As células somáticas são as que compõem a maior parte do nosso corpo: pele, cabelo, sangue e órgãos. As células germinativas, por outro lado, são células reprodutivas, ou seja, podem se unir a outras células durante a fertilização e criar um embrião.
As alterações somáticas, como a que foi feita para curar Madeux, modificam somente os genes de uma parte específica do corpo humano, como uma cirurgia precisa, e representam um campo promissor da biotecnologia.
Por exemplo, Casebia, uma joint venture entre a Bayer e a CRISPR Therapeutics, pretende aplicar as técnicas da alteração de células somáticas para enfrentar alguns dos problemas de saúde mais desafiadores do mundo, como algumas doenças que ainda estão longe de serem solucionadas com tratamentos médicos tradicionais.
Entre essas doenças estão a cegueira, que é provocada em grande parte por fatores genéticos. A cegueira tem várias causas, como degenerações maculares (comprometimento da mácula, uma área pequena e crucial no meio da retina) e retinites pigmentosas (comprometimento e perda de células da retina). Elas são o resultado de centenas de mutações genéticas que estamos apenas começando a entender.
No entanto, a alteração somática permite aos engenheiros genéticos identificar com precisão esses genes e tomar medidas para corrigi-los. Ainda que estejamos dando somente os primeiros passos, essa técnica tem o potencial de livrar a humanidade de doenças que têm nos afetado durante toda a existência da nossa espécie.
No entanto, as alterações germinativas são um fenômeno mais complicado e muito mais controverso.

O problema com a linha germinativa

A alteração da linha germinativa significa adulterar genes responsáveis por transportar as informações genéticas replicadas em todas as células que são reproduzidas após a modificação genética. Em outras palavras, essas alterações podem ser passadas para os futuros descendentes dos pacientes. Ou seja, filhos e netos. E, possivelmente, para toda a humanidade.
Por isso, não surpreende que o possível impacto da alteração germinativa nas gerações futuras, e não somente no paciente atual, apresente problemas éticos significativamente maiores. Esses problemas podem ser divididos em três áreas principais:

1) Consentimento: Como as futuras gerações não têm como opinar sobre a forma como alteramos os genes que herdarão, podemos afirmar que é ético fazer esse tipo de modificação definitiva no que significa ser humano, sem o consentimento daquele que sofrerá diretamente as consequências? Especialmente porque esses genes não serão apenas herdados por nossos filhos, mas pelos filhos de nossos filhos e pelos filhos deles, infinitamente.
Isso tudo significa que uma decisão tomada hoje pode afetar as vidas de pessoas que ainda nem nasceram, e de maneiras que ainda não temos como precisar.

2) Complexidade: Mesmo com os grandes avanços para compreender a genética humana, a modificação genética ainda é uma ciência imprecisa. Os genomas são sistemas complexos. Todos os genes dentro de um genoma estão interligados, e se mudarmos apenas um gene, não sabemos exatamente o que pode acontecer com os outros.
O desafio real surge no fato de que alguns atributos genéticos são conhecidos como expressões poligênicas, ou seja, exigem a cooperação de muitos genes. Isso não apenas dificulta ainda mais a precisão da alteração genética, como também pode causar mudanças negativas e imprevistas.
"Problemas como o autismo ou a esquizofrenia têm componentes hereditários, mas existem centenas de genes envolvidos nesse processo", afirma o professor Ernst-Ludwig Winnacker, ex-secretário geral da organização Human Frontier Science Program e ex-membro do Conselho Nacional de Ética da Alemanha. "Essa interconexão ainda não foi completamente desvendada. Ninguém pode prever ao certo o que acontecerá se você fizer alterações no genoma. Isso torna os experimentos na linha germinativa muito perigosos."
Embora o problema da complexidade exista na modificação de genes somáticos, nesses casos a alteração pode ser realizada por etapas, permitindo aos médicos observar expressões genéticas inesperadas e corrigi-las. Essas opções não existem na alteração de células germinativas. "Pode haver consequências inesperadas", comenta o professor Winnacker. Mas depois de alterar a linha germinativa, não há como voltar e fazer correções para os herdeiros desses genes. “Não há etapas no campo da reprodução. A única etapa é um bebê.”

3) Riscos sociais: Alterar com precisão células germinativas também acarreta novos problemas, em especial a forma como concebemos os seres humanos, individualmente e socialmente. "Uma preocupação real é a possibilidade de criarmos uma sociedade de duas classes, dividida entre aqueles que podem bancar alterações germinativas, caso isso venha de fato a funcionar, e aqueles que não têm condições de pagar por isso", continua o professor Winnacker.
Podemos começar com a tentativa de erradicar doenças graves, mas o limite do que é aceitável alterar pode continuar sendo ampliado para incluir altura, peso ou cor dos olhos. "Para mim, isso começa a se transformar em eugenia", conclui o professor, em referência ao controverso movimento ocorrido entre o final do século 19 e início do século 20 que deu origem ao fascismo. Se isso fosse permitido, alerta Winnacker, “os pais se sentiriam obrigados a eliminar suas mutações genéticas por motivos sociais, reforçando estigmas e diferenças sociais.”
De qualquer forma, precisamos ter em mente que, em mãos erradas, a tecnologia da alteração genética pode transformar o modo como pensamos em nós mesmos enquanto seres humanos.
Protegendo o futuro da humanidade

Protegendo o futuro da humanidade

Esses debates éticos costumavam estar limitados ao âmbito da ficção e especulação. Mas à medida em que as alterações genéticas deixam o campo da ficção científica e entram em laboratórios do mundo real, aumenta a necessidade de definirmos os limites morais da ciência.
Em dezembro de 2015, a Cúpula Internacional sobre Edição Genética Humana (organizada pelas academias de ciências naturais dos EUA, Reino Unido e China), com participação do professor Winnacker, concluiu que era necessário postergar “alterações genéticas em gametas ou embriões, que serão transmitidos por todas as células de uma criança descendente e serão passadas para as futuras gerações como parte do conjunto genético humano”, até que a tecnologia se desenvolvesse de forma responsável.
O modo como essas recomendações foram seguidas ao redor do mundo varia. Em muitos lugares, existem diferentes legislações e diretrizes definindo o que é permitido na pesquisa de linha germinativa ou hereditária. Hoje, 40 países já aprovaram leis que restringem ou banem modificações da linha germinativa. Alguns países baniram qualquer tipo de pesquisa, outros permitem somente pesquisas realizadas em laboratório, sem envolver gestações, e alguns simplesmente não adotaram nenhum tipo de legislação.
A tecnologia de alteração genética tem um potencial incrível e um poder imensurável. Para descobrirmos os inúmeros benefícios que esse campo pode nos proporcionar, precisamos avançar em direção a um consenso ético e científico. Há muito que ainda não sabemos sobre sistemas tão complexos quanto a genética e a reprodução humana. Antes de prosseguirmos com as pesquisas simplesmente porque temos essa capacidade, é importante nos perguntarmos se isso é algo que devemos fazer.

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