Quando escuta a expressão “os 1%”, a maioria das pessoas associa aos padrões socioeconômicos e ao 1% das pessoas que detém a maior parte da riqueza ou da renda nos Estados Unidos. Esta é a forma mais comum de uso desta expressão. Mas nós raciocinamos diferente. Nós pensamos que todo o espectro de problemas reprodutivos que afeta os homens está aumentando cerca de 1% ao ano nos países ocidentais. Este “efeito 1%” inclui as taxas de contagem decrescente de esperma, os níveis decrescentes de testosterona e as taxas crescentes de câncer testicular, bem como um aumento na prevalência da disfunção erétil.
No lado feminino da equação, as taxas de aborto espontâneo também estão aumentando cerca de 1% ao ano nos EUA, assim como a taxa de barriga de aluguel gestacional. Enquanto isso, a taxa de fertilidade total em todo o mundo vem caindo quase 1% ao ano, de 1960 a 2018.
Quando as pessoas escutam isso, o instinto natural mais frequente é ignorar o assunto, pensando que 1% ao ano não é realmente uma grande coisa. Mas é! Isso soma mais de 10% por década — e mais de 50% ao longo de 50 anos. Quando consideramos que a contagem de espermatozóides diminuiu 50% em apenas 40 anos, como mostrou a meta-análise de Shanna H. Swan publicada em uma edição de 2017 da revista Human Reproduction Update, é difícil negar ou desconsiderar o fato de que isso é alarmante.
Continuemos a raciocinar: onde está a indignação com relação a essa questão? O declínio anual de 1% na saúde reprodutiva é mais rápido do que a taxa de aquecimento global (felizmente!) — e mesmo assim, as pessoas estão revoltadas com o aquecimento global (e com razão), mas não com esses efeitos sobre a saúde reprodutiva. Para colocar em perspectiva o efeito 1%, considere o seguinte: os dados científicos mostram um aumento de 1,1% ao ano, entre 2000 e 2016, no número de crianças diagnosticadas com transtorno do espectro autista, de acordo com os Centros para Controle e Prevenção de Doenças. As pessoas estão nervosas quanto a isso, com razão.
Por que as pessoas não ficam igualmente preocupadas com danos reprodutivos em homens e nas mulheres? Talvez seja porque muitos não percebem que essas mudanças preocupantes estão em andamento, ou que elas estejam avançando no mesmo ritmo. Mas todo mundo deveria se preocupar. Afinal, essas mudanças reprodutivas dificilmente podem ser uma coincidência, pois são demasiado simultâneas para que fosse coincidência.
A verdade é que esses efeitos na saúde reprodutiva estão interligados. E, em grande parte, são gerados pela mesma causa: a presença de substâncias químicas que alteram os hormônios (também conhecidos como desreguladores endócrinos ou EDCs) em nosso cotidiano. Essas substâncias químicas capazes de sequestrar hormônios, que incluem ftalatos, bisfenol A e retardantes de chamas entre outras, tornaram-se onipresentes na vida moderna. Estão nas garrafas de água e nas embalagens de alimentos, nos aparelhos eletrônicos, nos produtos de higiene pessoal, nos materiais de limpeza e em vários outros itens que usamos regularmente. E começaram a ser produzidos em números crescentes depois de 1950, quando teve início o declínio da fertilidade e da contagem de espermatozoides.
A exposição a esses produtos químicos é particularmente problemática durante a gravidez, porque o que acontece durante esse período não acaba ali. Na verdade, a exposição de uma futura mãe a produtos químicos tóxicos no ar que ela respira, na água que bebe, nos alimentos que consome e nos produtos que passa na pele podem entrar em seu corpo (e, portanto, no feto), e influenciar o desenvolvimento reprodutivo de seu bebê. Isso é especialmente válido no início da gravidez — momento chamado de janela de programação fetal —, principalmente para bebês do sexo masculino.
Por exemplo, se uma mulher é exposta a substâncias químicas que bloqueiam a ação dos andrógenos durante o primeiro trimestre da gravidez, isso pode afetar o desenvolvimento reprodutivo do feto masculino de vários maneiras. Pode, por exemplo, resultar em um encurtamento da distância anogenital (AGD) — a extensão que vai desde o ânus à base do pênis — o que é bem significativo, porque a pesquisa mostrou que uma AGD mais curta está correlacionada a um pênis menor e, no adulto, um menor contagem de esperma.
Além disso, uma desregulação pré-natal do sistema hormonal masculino pode resultar em níveis reduzidos de testosterona e no aumento do risco de um menino ter testículos não descidos (criptorquidia) ou um tipo específico de pênis malformado (hipospádia) ao nascer. E, se um menino nascer com esses defeitos genitais, ele terá um risco maior de possuir baixa contagem de esperma e, quando adulto, de desenvolver câncer nos testículos.
Este conjunto de problemas reprodutivos correlacionados em homens e mulheres traz enormes desafios para a população mundial. Existe o desafio óbvio relacionado a questões de fertilidade e do declínio da taxa de natalidade. Mas a desregulação endócrina também está envolvida no no aumento das taxas de doenças autoimunes, e também na crescente epidemia de obesidade e síndrome metabólica (condições que aumentam o risco de doenças cardíacas, derrame e diabetes tipo 2). Alguns desses efeitos reprodutivos estão até mesmo associados a um risco maior de mortes prematuras.
Para dizer o mínimo, essas questões são mais importantes do que aquele “1%” do qual as pessoas costumam prestar atenção, o que significa: precisamos mudar nosso foco coletivo. É hora de colocar como prioridade a exigência de que produtos químicos que perturbam o sistema endócrino, utilizados em produtos de uso diário, sejam substituídos por produtos químicos que não afetem nossos hormônios e não contaminem o meio ambiente.
Também é hora de adotar metodologias de testagem melhores e ações regulatórias para assegurar que apenas produtos químicos seguros possam entrar no mercado, e em nossos corpos. Em outras palavras: precisamos parar de usar uns aos outros, e também nossos filhos não nascidos, como ratos de laboratório para exposições aos EDC. A saúde e o futuro da raça humana realmente dependem disso.
Crédito: KTS Images/Envato Elements
Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a visão dos editores de Scientific American Brasil.
*Por Shanna H. Swan (professora de Medicina Ambiental e Saúde Pública na Escola de Medicina Icahn no Monte Sinai) e Stacey Colino (escritora especializado em questões ambientais e de saúde), autoras do livro “COUNT DOWN: How Our Modern World is Threatment Sperm Counts, Altering Masculino and Female Productive Development, and Risk the Future of the Human Race”.
Publicado em 17/03/2021
Fonte: Scientific American Brasil: https://sciam.com.br/crescimento-de-problemas-reprodutivos-em-homens-e-mulheres-em-todo-mundo-preocupa-medicos/
Nenhum comentário:
Postar um comentário