O Hospital Universitário Antonio Pedro (Huap), por meio da Unidade de Neurologia, Neurociência e Pesquisa Clínica da Faculdade de Medicina da UFF e a Unidade de Neurologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, em Ribeirão Preto, são os dois únicos locais no Brasil que se tornaram referência nacional no atendimento e tratamento de neuropatias periféricas graves e de Síndrome de Guillian-Barré.
De acordo com o neurologista e professor da UFF, Osvaldo Nascimento, esses danos interferem no sistema nervoso periférico, que são responsáveis por transmitir impulsos do sistema nervoso central para o resto do corpo. Os primeiros casos da doença surgiram no final do ano passado, junto com o aumento incomum de casos de bebês com microcefalia em regiões do Nordeste.
Até o momento 12 pessoas com Síndrome de Guillian-Barré foram internadas e submetidas ao tratamento no Huap, apenas uma delas ainda permanece no CTI, afirma o especialista.
Os dois centros – Niterói e Ribeirão Preto – formam uma rede de neurologistas e pesquisadores, que até o dia desta entrevista, já havia notificado e atendido mais de 40 pacientes de várias regiões do país. A rede é formada por 18 profissionais entre técnicos de imagem, neurologistas e pesquisadores que, segundo o professor Nascimento, vem buscando aprimorar o diagnóstico, orientados pela classificação internacional da Síndrome de Guillian-Barré, com o principal objetivo de evitar possíveis erros. Hoje, são mais de 30 condições e sintomas semelhantes aos da síndrome.
Um exemplo disso é o caso de Leonardo Pizutti, químico, de 23 anos, que ficou internado por nove dias no Huap, sob os cuidados do médico Osvaldo Nascimento e sua equipe, formada pelas médicas Ana Carolina Andorinha, Pâmela Passos e outros residentes. Depois do carnaval, ele procurou uma UPA quando começou a sentir os sintomas da Síndrome de Miller-Fisher, uma das variantes mais frequentes da Síndrome de Guillain-Barré. Na ocasião, ele apresentava tonteira, visão turva e dificuldade de locomoção.
Na entrevista a seguir, o professor Osvaldo Nascimento dá mais detalhes sobre a infecção por Zika, Síndrome de Guillian-Barré e pede à população que evite as falsas notícias e o alarmismo.
- De que forma a parceria entre a UFF e o poder público municipal podem orientar as gestantes durante o surto de Zika no Rio de Janeiro e o que elas devem fazer para se prevenir?
Osvaldo Nascimento: É mais fácil a gente fazer ciência do que entender os políticos. A imprensa vem divulgando nosso trabalho diariamente, desde o surgimento dos primeiros casos da Síndrome de Guillian-Barré associados à “zikavirose”, mas, por incrível que pareça, nenhum secretário dos municípios da Região Metropolitana do Grande Rio me procurou para obter mais detalhes e outras informações sobre o tratamento dessas doenças, com exceção do secretário municipal de Saúde do Rio de Janeiro, o médico sanitarista, professor e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, Daniel Soranz.
- Quantas doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti a população está enfrentando?
Osvaldo Nascimento: boa parte do território brasileiro é endêmica em febre amarela e dengue. E agora temos a febre Chikungunia e a Zika. Todos esses vírus são transmitidos pelo Aedes aegypti. Nos Estados Unidos, a Febre do Oeste do Nilo, que causa encefalite (inflamação do cérebro), afeta o sistema imunológico e acaba deflagrando sintomas associados à Síndrome de Guillain-Barré, que, por sua vez, afetam a nuca, o cérebro e a medula do paciente. Todas essas doenças tem o mesmo vetor em comum. No caso da Zika, pelo fato de originar uma reação muito grande do sistema imunológico, acaba afetando o sistema nervoso central. A saída é não ter o mosquito. O cientista Oswaldo Cruz mobilizou o Poder Público e a população e conseguiu eliminar o Aedes aegypti há 100 anos. Mas, ao longo desses anos, o homem desrespeitou a ecologia, sujou a natureza e agrediu o meio ambiente com pesticidas.
- A diminuição do diâmetro da cabeça e do cérebro do bebê (microcefalia) afeta diretamente o desenvolvimento da criança em quais aspectos?
Osvaldo Nascimento: essas relações ainda não estão bem definidas. Os casos de microcefalia, no Rio e na cidade do Recife, em Pernambuco, chamam a atenção das autoridades, mas a quantidade de bebês com microcefalia nos Estados Unidos é muito maior. Talvez, o nosso maior problema seja a subnotificação. Médicos mal treinados e a falta da obrigatoriedade da notificação podem subestimar o real número de casos, que podem estar sendo causados pelo vírus da Zika, mas ainda não se tem uma prova contundente que diga que a Síndrome de Guillain-Barré esteja associada ao vírus da Zika.
- Qual o percentual de brasileiros contaminados com o Zika vírus atualmente?
Osvaldo Nascimento: No Brasil, nos meses de janeiro e fevereiro, para cada grupo de 100 mil habitantes, quatro a cinco indivíduos, em fase produtiva, apresentavam sintomas de infecção por Zika vírus. Para os pesquisadores da UFF, o número era expressivo naquele momento. Mas, com a proximidade do fim do verão e o consequente declínio das temperaturas, provavelmente o número de casos notificados tenda a baixar.
- A mãe ou o bebê, depois de recuperados da Zika, poderão desenvolver a síndrome de Guillain-Barré?
Os estudos estão em curso, mas ainda não podemos comprovar que isso possa ocorrer. O que sabemos é que o cérebro não cresce. A microcefalia inibe o desenvolvimento natural do encéfalo durante a gestação. Há também um parasitismo das células nervosas, que não se desenvolvem. E o cérebro não crescendo vai interferir no raciocínio, movimentos, e assim por diante, gerando um ser que terá sérias limitações sociais.
- Quais os sintomas da síndrome de Guillain-Barré e quais problemas neurológicos futuros que um paciente pode desenvolver depois de recuperado desta doença?
Osvaldo Nascimento: a Síndrome de Guillian-Barré (SGB) foi descrita há 100 anos, por três médicos parisienses: Georges Guillain, Jean Alexandre Barré e André Strohl, que descobriram uma anormalidade no liquor dos pacientes que tinham a doença. Desde então, a enfermidade é caracterizada por uma fraqueza ascendente. Os sintomas começam pelos pés, sobem para as pernas, coxas, musculatura da face, e por fim paralisam a face e nos casos graves o sistema respiratório. No entanto, 80% dos pacientes reagem bem, 20% apresentam outras complicações, sendo que destes, 5% necessitam de maiores cuidados no estágio grave da doença.
- O que está sendo feito para reverter este quadro?
Osvaldo Nascimento: para reverter este quadro e estudar os mecanismos originários da SGB, mobilizamos neurologistas, biomédicos e pesquisadores da UFF, Fundação Oswaldo Cruz e UFRJ, para que possamos fazer um levantamento pormenorizado de cada paciente. Queremos saber quem tem o organismo predisposto a desenvolver a síndrome, após ter enfrentado a Zika. A boa notícia é que já isolamos o RNA Viral, que irá permitir desenvolver o antiviral e a vacina, evitando que novos casos aconteçam.
- Que objetivos e benefícios a campanha de combate ao Aedes aegypti trará para a UFF e para a sociedade?
Osvaldo Nascimento: Eu quero ação! A parceria entre o Poder Público e a UFF é de extrema importância, mas, como afirmei, os nossos profissionais não estão sendo procurados. Precisamos aumentar a oferta de leitos, promover concurso de novos profissionais, verba para comprar medicamentos e a imunoglobulina (substância utilizada no tratamento), além de melhorar o diagnóstico, e em curto prazo, produzir uma cartilha para orientação e capacitação da equipe médica e de todos os profissionais de saúde envolvidos nas ações de prevenção e tratamento.
- Que mensagem o senhor deixa para a população: (assista no vídeo o esclarecimento do especialista a toda a população)
Osvaldo Nascimento: estamos em estado de atenção, não de alarme. A síndrome é rara, mas tem na maioria dos casos uma evolução favorável. A sociedade e o Poder Público precisam se organizar para que tenhamos uma estrutura eficaz de atendimento, mas vale ressaltar: nem tudo é Zika, nem tudo é Síndrome de Guillain-Barré.