segunda-feira, 29 de julho de 2013

Brasileiros estudam bactérias em busca de novos antibióticos

Descobrir os mecanismos biológicos usados por bactérias para infectar as células humanas e driblar o ataque do sistema imunológico e, com base nesse conhecimento, estudar proteínas-alvo para o desenvolvimento de novos antibióticos.

Estes são os objetivos de um projeto de pesquisa coordenado pela brasileira Andrea Dessen de Souza e Silva, atualmente no Instituto de Biologia Estrutural (IBS) de Grenoble, na França.

Mas a pesquisa vem sendo desenvolvida há cerca de um ano no Brasil, no Laboratório Nacional de Biociência (LNBio), em Campinas (SP). Na verdade, acordos com instituições de outros países estão transformando o LNBio em um laboratório internacional, um pólo de atração de pesquisadores de todo o mundo.

Bactérias que explodem

Neste projeto específico, denominado Bacwall, a meta é estudar os mecanismos de virulência que dependem da parece celular bacteriana para funcionar.

Os pesquisadores têm-se concentrado no estudo de uma classe de proteínas bacterianas conhecidas como PBPs (proteínas ligadoras de penicilina), essenciais para a formação da parede celular bacteriana.

"Ao inibir a síntese dessas proteínas, a bactéria literalmente explode, pois a parede celular se torna frágil e incapaz de suportar a pressão interna da célula. Esse é o mecanismo de ação da penicilina e de seus análogos sintéticos. Mas, graças a mutações, muitas bactérias já se tornaram resistentes", disse a pesquisadora.

Segundo Andrea, há um grupo de doenças infecciosas - especialmente as causadas pela bactéria Staphylococcus aureus - que ainda mata mais do que a AIDS e a tuberculose juntas.

"Temos uma população que está envelhecendo e um número cada vez maior de transplantados e de pacientes em tratamento contra o câncer. Estamos ficando mais sensíveis aos micróbios. Por isso, esse tema de pesquisa nos interessa", disse.

Biblioteca de bactérias e fungos

Outros alvos pesquisados são as proteínas macroglobulina e as internalinas.

"[A macroglobulina] existe no sistema imunológico humano e, em 2004, descobriu-se que havia um homólogo nas bactérias. Em nossa pesquisa, mostramos que a estrutura da macroglobulina bacteriana é similar à humana, o que nos leva a crer que a proteína tem como função proteger a bactéria do sistema imune", disse Neves.

Já as proteínas chamadas internalinas são expressadas por bactérias da espécie Listeria monocytogenes, causadoras de infecções alimentares.

Estima-se que as internalinas também façam parte da estratégia bacteriana para fugir do ataque do sistema imunológico.

"Estará disponível ainda, a partir de janeiro de 2014, aqui no LNBio, uma biblioteca de compostos da biodiversidade brasileira com cerca de 10 mil cepas de bactérias e fungos. Se os testes com moléculas compradas forem bem-sucedidos, pretendemos avaliar também as moléculas da biodiversidade brasileira, em colaboração com pesquisadores do Laboratório de Bioensaios do LNBio", contou Andrea.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Pesquisadores criam tatuagem que monitora saúde

Tecnologia analisa suor da pessoa para informar índices de pH e lactato no corpo

Em um futuro próximo, tatuagens podem servir para mais do que simplesmente adornar o corpo. Uma nova tatuagem, que combina complexos sensores eletroquímicos com nanotecnologia, promete analisar o suor do indivíduo para monitorar níveis de pH e lactato no corpo.

A inovação combina complexos sensores eletroquímicos com nanotecnologia. Ela foi apresentada no laboratório norte-americano de nanoengenharia Professor Joseph Wang, na Research Expo, na Universidade de Engenharia Jacobs School.

Jacobs School
A análise em tempo real do pH e do lactato permite ao indivíduo um controle maior sobre a intensidade de suas atividades físicas – quanto maior o índice desses elementos presentes no suor, maior é o esforço da pessoa. Ao registrar as variações químicas é possível saber em quanto a resistência do indivíduo está evoluindo.

A tecnologia já foi submetida a uma série de testes de durabilidade, que garantem a permanência da tatuagem diante de exposição à água e atrito com roupas. Em breve, os cientistas podem anunciar uma nova versão capaz de analisar também a quantidade de sódio e amônia.

terça-feira, 23 de julho de 2013

Biblioteca virtual pode auxiliar juízes em ações relacionadas à saúde

Cerca de 100 artigos, estudos e documentos relacionados a questões judiciais voltadas à área de saúde já estão disponíveis na biblioteca virtual interativa lançada durante o 3º Encontro Latino-Americano sobre Direito à Saúde e Sistemas de Saúde. O evento, realizado no último mês como resultado de parceria entre o Fórum da Saúde do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Banco Mundial, reuniu representantes do Judiciário e do Executivo de diferentes países da América Latina, Europa e África com o objetivo de trocar experiências e definir soluções para a judicialização da saúde.

O novo banco de dados, disponível no site www.saluderecho.net traz documentos com análises sobre experiências e projetos desenvolvidos em diversos países na área de Direito da Saúde. Há textos em diferentes línguas, como espanhol, português e inglês.

Para o coordenador do Fórum da Saúde do CNJ, Clenio Jair Schulze, a ferramenta vai auxiliar os trabalhos do fórum assim como o de juízes que lidam com esse tipo de demanda judicial. "A biblioteca contribui para que os diversos atores dos sistemas judiciais e dos sistemas de saúde obtenham informações atualizadas para debater o tema. Além disso, permite acompanhar as decisões apresentadas para a resolução dos problemas relacionados à saúde", destaca. Segundo ele, o banco de dados virtual também vai possibilitar troca de experiências entre os diversos países participantes e facilitar a interlocução e o enfrentamento de problemas comuns.

Conteúdo – Sobre o Brasil, já está disponível no portal o artigo do professor doutor assistente da Escola de Direito da Universidade de Warwick, no Reino Unido, Octavio Luiz Motta Ferraz, que trata do direito à saúde nos tribunais brasileiros. No texto em inglês, ele analisa o fenômeno recente e crescente de litígios que envolvem questões relacionadas à saúde, quase sempre de demandas individuais solicitando tratamento médico ou medicamentos.

Segundo o especialista, no Brasil é alta a taxa de êxito para aqueles que entram na Justiça com esses tipos de pedido, o que acaba aumentando as desigualdades de acesso à saúde no País. Os que conseguem acessar a Justiça e concretizar esse direito são privilegiados em relação ao resto da população, que acaba submetida ao sistema de saúde, quase sempre detentor de recursos escassos, argumenta o autor.

Na ferramenta, é possível ainda ler um estudo de caso sobre decisões judiciais tomadas em São Paulo em processos relacionados a pedidos de medicamentos, assim como texto sobre o banco de dados de Minas Gerais e apresentações feitas em seminários. Na biblioteca virtual, o usuário também encontra vídeos relacionados a Direito da Saúde e fotos de eventos. O banco de dados é interativo, já que os usuários podem enviar, por meio de um formulário disponível na página, materiais para publicação.

Fórum da Saúde – Instituído em 2010 pelo CNJ, o Fórum foi criado para o monitoramento e a resolução das demandas de assistência à saúde. Sua criação decorreu do elevado número e da ampla diversidade dos litígios referentes ao direito à saúde, bem como o forte impacto dos dispêndios decorrentes sobre os orçamentos públicos.

Mariana Braga
Agência CNJ de Notícias

Fonte: CNJ

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Empresário tetraplégico cria inovações para a biomedicina

Por Carolina Gabardo Belo

A busca por inovação é uma constante na vida do empresário Leonardo Silva, 39. Ele, que fez da procura por novas soluções um caminho pessoal e uma oportunidade de negócios, teve seu reconhecimento no ano passado com o título de Empreendedor Inovador do Paraná, entregue pelo Centro Internacional de Inovação (C2i) da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep).

A proposta escolhida por unanimidade pelos avaliadores do C2i foi o sistema recém-lançado MovSmart, que trabalha com a automação de equipamentos de ginástica e, de acordo com Silva, é uma inovação mundial para o mercado de academias. Acoplado aos aparelhos, o sistema verifica toda a realização da atividade física, desde o tempo de intervalo e a contagem da série até a fadiga no atleta. Os dados são enviados para a internet e podem ser controlados remotamente.

Leonardo e o sistema inédito para automação
de academias.
Foto: Allan Costa Pinto
Esta, no entanto, não é a única criação do empresário, que desenvolveu seus sistemas na incubadora do Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar). Desde 2009 também está no mercado o BioFeed, destinado exclusivamente para tratamentos de reabilitação, que acompanha toda a evolução do paciente em seus movimentos, bem como o exercício correto a ser realizado, e já demonstrou sua eficácia em pacientes com Parkinson.

“Percebi que a saúde tinha pouca tecnologia disponível para o trabalho. Existiam pesquisas, mas elas não iam para o mercado. Por isso criei a empresa BioSmart para desenvolver novas tecnologias e transformá-las em produtos”, conta. A prática na biomedicina veio depois de um acidente aos 24 anos, em que Silva fraturou a coluna e ficou tetraplégico. Até então, o jovem era um profissional com extenso currículo na área de informática. “Aprendi com a prática e utilizei minha experiência para criar sistemas. Sempre fui muito curioso”, conta ele, que vê seu trabalho valer a pena na recuperação dos pacientes.

“Tenho trabalho até 2020”

Leonardo Silva aposta todas suas fichas no potencial de seus produtos. O BioFeed, por exemplo, tem investimento de R$ 7 mil para cada aparelho e pode ser utilizado por diversas especialidades. A viabilidade do MovSmart é fortalecida pela possibilidade de inserir publicidade nas máquinas utilizadas nas academias de ginástica.

O empresário tem engatilhado pelo menos outros seis sistemas a serem desenvolvidos. “Tenho trabalho até 2020. Mas são coisas simples: pego a necessidade e encontro soluções”, diz. Entre as próximas apostas estão sistemas para melhorar o treino tático de tenistas e também o que promete ser um boom no mercado: a criação de eletroestimuladores para que pacientes paraplégicos consigam andar.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Paraná terá curso de pós-graduação em Hematologia

As secretarias da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e da Saúde se uniram para criar um curso de especialização em Hematologia (que estuda e trata as doenças do sangue), a ser implantado na Universidade Estadual de Maringá (UEM), com apoio da Universidade Estadual de Londrina (UEL). “Um curso como este, de pós-graduação, é inédito no Sul do Brasil”, ressalta o secretário da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Alípio Leal. 

O tema escolhido, de acordo com o secretário da Saúde, Michele Caputo Neto, é de extrema relevância, pois o Governo do Paraná mantém no Centro de Hematologia e Hemoterapia do Paraná (Hemepar) um ambulatório especializado em doenças do sangue. “O Hemepar faz o acompanhamento multiprofissional a portadores de doenças do sangue, como as coagulopatias (hemofilia e Doença de Von Willebrand), talassemia e anemias falciformes. Com este curso, os próprios servidores do Estado poderão se especializar”, enfatizou. 

As duas secretarias também planejam a implantação de um mestrado profissional em Farmácia, com área de concentração em assistência farmacêutica. O projeto elaborado pela UEM será enviado para aprovação junto à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Ministério da Educação. 

QUALIFICAÇÃO - “Um servidor bem qualificado melhora diretamente os serviços prestados à população”, comenta Alípio Leal para explicar o empenho da secretaria na capacitação dos funcionários públicos. Para a concretização do curso sobre estudos do sangue será assinado um termo de cooperação técnico-financeira entre as secretarias, as universidades envolvidas e o Centro de Hematologia e Hemoterapia do Paraná. 

Serão oferecidas 44 vagas para profissionais da área da saúde, preferencialmente do quadro de servidores do Estado. Na modalidade presencial, o curso terá prática acadêmico-pedagógica nas unidades de Maringá, Londrina e Curitiba da Hemorrede do Paraná.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Feevale sedia congresso internacional e dois nacionais direcionados a biomedicina

VI Congresso Internacional de Bioanálises, IX Congresso Sulbrasileiro de Biomedicina e XIII Semana Gaúcha de Biomedicina acontecem na Universidade entre 28 e 31 de agosto. Trabalhos podem ser inscritos até 12 de julho.

Acadêmicos e profissionais biomédicos, e outras profissões da área da saúde podem participar do VI Congresso Internacional de Bioanálises, IX Congresso Sulbrasileiro de Biomedicina e XIII Semana Gaúcha de Biomedicina.

Os eventos acontecerão entre os dias 28 e 31 de agosto, no Câmpus II da Universidade Feevale (ERS-239, 2755, Novo Hamburgo), na quarta-feira, das 9 às 22 horas, quinta e sexta-feira, das 9 às 17 horas, e sábado, das 9 às 14 horas.
Inovações na saúde

Os congressos, realizados pela Feevale, visam promover a divulgação de inovações e a produção das diversas áreas do conhecimento envolvendo a saúde e o diagnóstico, bem como trabalhos realizados nos laboratórios, comparativo de técnicas, validação de metodologias analíticas, controle de qualidade, epidemiologia e trabalhos de pesquisa de extensão.

Durante o evento ocorrerão cursos pré e pós congresso, além de palestras como:

- “Anvisa nos laboratórios de análises clínicas”, com Simone Cunha
- “Atuação do biomédico na circulação extra corpórea”, com Willian Duarte Machado
- “Monitoramento terapêutico de fármacos em oncologia”, com Rafael Linden
- “O papel do biomédico na reprodução humana”, com Nilo Frantz

Também haverá mesas redondas sobre biomedicina e as habilitações e aplicação de genética forense na elucidação de crimes. A programação completa poderá ser acessada a partir de agosto.

As inscrições de trabalhos poderão ser realizadas até o dia 12 de julho, pelo site www.feevale.br/cursoseeventos. Para participar dos congressos, as inscrições podem ser feitas até 26 de agosto, pelo site acima.

Informações de Universidade Feevale
FOTO: reprodução / revista desafios

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Brasil estuda o uso preventivo de antirretroviral

O novo diretor do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, Fábio Mesquita, afirmou que está disposto a discutir o uso de antirretrovirais por pessoas que não estão infectadas pelo HIV, como forma de prevenção da doença.

A estratégia é conhecida como pré-exposição. Nesses casos, o remédio funciona como uma proteção, reduzindo o risco de a pessoa se contaminar pelo vírus. Embora estudos já tenham demonstrado a eficácia dessa política, ainda há dúvidas sobre como a estratégia poderia ser adotada em maior escala. ”“A terapia pré-exposição ainda não está preconizada, mas não há dúvidas de sua eficácia em todas as populações vulneráveis””, disse o diretor.

Mesquita adiantou que o assunto será considerado pelo governo como um instrumento adicional. “Quero analisar o potencial de sermos mais incisivos na aplicação da ciência para nos tornarmos um dos primeiros países do mundo livre do HIV em um futuro que espero não tão longe”.”

O governo brasileiro se prepara também para liberar o uso de antirretrovirais para portadores de HIV, independentemente da carga viral, afirmou o ministro da Saúde, Alexandre Padilha. A ideia é ofertar o medicamento para pacientes de populações de maior vulnerabilidade para a doença, como homens que fazem sexo com homens, profissionais do sexo e usuários de drogas. Em outubro do ano passado, a medida já foi liberada para portadores de HIV com vida sexual ativa.

A recomendação é que todos continuem usando preservativos em suas relações. Essa será uma proteção a mais”, afirmou Padilha ao Estado. O tratamento precoce de aids está entre as ferramentas de prevenção adotadas por alguns países.

“Estudos mostram que, ao reduzir de forma significativa a carga viral com os medicamentos, o risco de transmissão para o parceiro cai expressivamente”, disse Padilha.

O uso antecipado do remédio, porém, ficará a critério do paciente. Não há evidências científicas se a antecipação do tratamento traz benefícios para o soropositivo. Mesquita também demonstrou interesse em ampliar o uso de antirretrovirais no País como uma forma de prevenção. O Brasil já faz isso e talvez possamos ampliar ainda mais. De todas as medidas adotadas atualmente para prevenir o HIV, essa é a que tem maior taxa de efetividade”, disse.

Mesquita foi responsável pelo tratamento como prevenção no Vietnã, quando comandava o programa de aids naquele país. “Na época, as pessoas ainda tinham muita timidez em assumir esta posição. Hoje há um claro consenso sobre o tema.”

quarta-feira, 3 de julho de 2013

A microbiologia invade a cozinha

Carnes quase podres, peixes fermentados por meses e uvas contaminadas. Entenda como fungos e bactérias podem reinventar a gastronomia
por Rafael Tonon


Em um laboratório flutuante sobre um canal de Copenhague, na Dinamarca, fungos e bactérias são usados em experimentos para maturar e fermentar alimentos. 

As amostras ficam separadas por categorias: algas envelhecidas, vinagres de toda sorte de ervas e carnes quase em processo de putrefação. Ali, trabalham botânicos e zoologistas. Mas quem comanda são chefs de cozinha. O Nordic Food Lab (Laboratório de Comida Nórdica), fundado em 2010 por Rene Redzepi e Claus Meyer, proprietários do Noma — restaurante em Copenhague que de 2010 a 2012 foi o número um no ranking da Restaurant, prestigiada revista inglesa do ramo —, é um dos representantes de uma tendência da culinária de luxo: a microbiologia. “Somos cozinheiros obstinados, com metodologia científica”, afirma Ben Reade, chefe do Nordic Food Lab. 



Depois da gastronomia molecular — que usa a química para modificar a textura e apresentação dos alimentos e que lançou para o mundo nomes como o do catalão Ferrán Adriá, do restaurante El Bulli —, os fungos e bactérias são agora foco de chefs de renome. 

Além de Rene Redzep, os premiados Chris Ford, do Rogue 24 (Washington DC), e David Chang, do Momofuku Säam Bar (Nova York) — que integra a lista dos 50 melhores do mundo pela Restaurant —, criaram seus próprios laboratórios de experimentos. 

A ousadia vai longe: de carnes que permanecem cruas em refrigeradores por mais de 100 dias a legumes enterrados por meses. Sem contar as parcerias com cientistas de universidades como Harvard e Sudeste Dinamarca. Os resultados viram pratos vendidos a não menos de US$ 40. Conheça a seguir o maravilhoso mundo dos micróbios na cozinha. 

TEM ALGO DE PODRE AÍ

Não adianta torcer o nariz. Há séculos consumimos alimentos em que fungos e bactérias são essenciais na formação do sabor, como vinhos, pães, cervejas e carnes secas. Algo que a humanidade aprendeu a fazer empiricamente. “O que sabemos até hoje sobre o papel desses micro-organismos na alimentação é só a ponta do iceberg. Tem muito para vir à tona”, afirma Herold McGee, autor do livro The Art of Fermentation (A Arte da Fermentação, sem edição no Brasil). 

O controle de quanto tempo um produto dura até apodrecer e qual a melhor fase para consumi-lo tem interessado os pesquisadores do Nordic Food Lab. Eles estudam processos de maturação e cura de carnes, comuns na Escandinávia. “Nossa região é conhecida por sua charcuteria [técnica para fabricação de embutidos]. Mas usa-se muita defumação e salga, o que altera o paladar”, diz Ben Reade, chefe do laboratório. 

A saída foi importar fungos utilizados nas ilhas do Atlântico Norte para conservar carnes. “Trabalhamos para identificar as espécies e de que forma agem criando uma camada externa que protege o alimento, mantendo sua maciez e gosto.” 

A atuação dos fungos na produção de vinhos locais também já foi investigada. Amostras de uvas com Botryotinia fuckeliana foram levadas para o laboratório a fim de entender como esses micro-organismos contribuíam para o sabor do vinho doce feito com elas. Depois de análises microscópicas realizadas pelos botânicos do grupo, concluiu-se que o fungo produz furos microscópicos na casca da uva, fazendo com que se desidrate, concentrando mais açúcar. A ideia agora é colocar o Botryotinia fuckeliana para atuar em frutas silvestres — como cerejas e mirtilos — para acentuar sua doçura. “Um mundo fantástico vai se abrir à medida que entendermos como micro-organismos transformam sabores”, diz Reade. “Isso demanda abordagem científica, o que tem tomado a gastronomia.” 

A GOSTO: Reade, do Nordic Food Lab, que investiga
maturação de carnes e fermentação de frutas, por exemplo

TERRITÓRIO DOS MICRÓBIOS 

Até 2015, os microbiologistas Rachel Dutton, Benjamin Wolfe e Julie Button, da Universidade Harvard, pretendem sequenciar o DNA de micro-organismos encontrados em 160 diferentes cascas de queijos — como Cheddar, Stichelton, Saint Maure e Corsu Vecchiu — para descobrir quais os melhores fungos para a produção de cada um e, quem sabe, chegar a novas receitas. 

A tecnologia usada é de última geração: uma máquina de sequenciamento genético age como um scanner lendo os dados do DNA e os salvando num HD. “Assim conseguiremos analisar a diversidade microbiológica de centenas de alimentos fermentados ao redor do mundo por uma fração dos custos do que era há cinco anos”, afirma Wolfe. 

Pouco tempo depois do anúncio da pesquisa — iniciada em 2010 como a primeira de padrão global a investigar a interação entre micróbios e comida —, os cientistas passaram a receber no laboratório pacotes com grãos e pães, enviados por chefs e cozinheiros, para serem analisados. Jim Lahey, mestre padeiro da Sullivan Street Bakery, em Nova York, foi um dos que tentaram ajuda para replicar nos EUA um pão que tinha provado na Toscana. 

Mas quem emplacou um projeto em parceria com os cientistas foi o americano de origem coreana David Chang. Em seu Momofuko Säam Bar, Chang havia tentado fazer um lombo de porco defumado com a mesma técnica do kastsuobushi, tradicional prato japonês em que o bonito (tipo de atum) é fervido, defumado e colocado numa solução com Aspergillus glaucus — espécie de fungo muito usada na cozinha nipônica. Depois, é deixado em descanso para fermentar por cerca de dois meses. Passado o período, ainda é submetido a um extenso processo de envelhecimento e secagem, que inclui exposição ao sol e pulverização de Aspergillus glaucus — esses micro-organismos drenam umidade. O resultado são lascas bem duras e crocantes de peixe de sabor concentrado. 

Ao tentar reproduzir a receita com a carne de porco, o resultado ficou bem longe do esperado. “Vimos o quão ignorantes éramos nos processos de microbiologia aplicada à comida”, afirma Daniel Felder, chefe de pesquisa e desenvolvimento do Momofuko Culinary Lab, a moderna cozinha-laboratório que Chang criou nas redondezas de seu restaurante. 

Amostras da carne desidratada e “contaminada” com Aspergillus glaucus foram, então, enviadas para o Centro para Sistemas de Biologia de Harvard. Lá, os cientistas mapearam geneticamente os micro-organismos que estavam na carne para descobrir do que se tratavam: o DNA deles era dividido em milhões de partículas lidas por máquinas. Depois, um algoritmo de montagem de genoma colocava tudo na ordem original de volta. Os resultados mostraram que um tipo de fungo disperso pelo ambiente do laboratório do Momofuku atuava no ingrediente, impedindo que o micróbio usado no peixe no Japão tivesse o mesmo efeito em Nova York. 

Os pesquisadores, então, chegaram a outro fungo capaz de produzir o sabor esperado: o Aspergillus orzyae. O resultado foi divulgado no International Journal of Gastronomy and Food Science, publicação para disseminação de artigos científicos de chefs e pesquisadores da gastronomia lançada no ano passado. 

Mas uma das maiores conclusões dos cientistas com o experimento é de que existe uma espécie de “terroir microbiano”. Assim como os minerais e seres vivos invisíveis a olho nu em uma terra influenciam o sabor dos alimentos plantados nela, os micro-organismos no ambiente interferem no gosto de um ingrediente processado ali. A revelação abriu um novo precedente para a gastronomia: aproveitar a ação de micro-organismos locais para criar os já tão valorizados sabores nativos, impossíveis de serem reproduzidos em outros cantos do mundo. A carne de porco defumada no Momofuku seria um deles. Mas há chefs que preferem importar sabores tradicionais e reinventá-los em novas combinações. 

DE LONGE

COZINHA GEEK: Daniel Felder, chefe de pesquisa do laboratório
anexo ao badalado restaurante Momofuko, de Nova York

Em abril, o chef Andoni Luis Aduriz abriu as portas para a temporada de 2013 de seu restaurante Mugaritz, em Errentería, no País Basco. A casa havia ficado fechada por três meses, tempo em que o chef se dedicou a pesquisas em sua cozinha experimental e nos laboratórios do AZTI-Tecnalia, centro basco de estudos relacionados à alimentação e ao ecossistema marinho, do qual é um dos integrantes. 

Como resultado das experiências, um prato que entrou no menu da casa foi a Mecha de alga pelo, uma espécie de bactéria marinha que realiza fotossíntese (o que a leva a ser confundida e popularmente chamada de alga) servida com pasta de azeitonas. 

Anduriz experimentou o ingrediente em uma sopa durante uma viagem à China. Conhecida por lá como Fat Choy, essa bactéria — usada na gastronomia chinesa e vietnamita como vegetal — tem aparência de um cabelo liso e preto. Instigado, o chef encontrou um distribuidor da iguaria em Paris e encomendou uma quantidade para fazer alguns experimentos. Primeiro testou cozinhá-la e desidratá-la para ressaltar seu aspecto de pelo, mas as fibras se desfaziam. 

Para encontrar a melhor maneira de preparar o que até então Aduriz acreditava ser uma alga, o chef pediu para que os botânicos e biólogos que trabalham em seu próprio restaurante e no laboratório Azti tentassem identificá-lo. O material foi categorizado como Nostoc flagelliforme, uma cianobactéria (bactéria que faz fotossíntese) autônoma que se agrupa em colônias. Diante da nova informação, foi possível desidratar o ingrediente e fritá-lo em baixa temperatura e a vácuo, sem queimá-lo, como estava acontecendo antes (em viagem à Espanha, o repórter teve oportunidade de provar o prato e achou uma delícia).

SABOR NACIONAL

No Brasil, a microbiologia aplicada à cozinha ainda é feita de maneira mais empírica e pouco científica. Mas, em breve, isso pode mudar. No segundo semestre de 2013, os chefs e irmãos Thiago e Felipe Castanho, dos restaurantes Remanso do Bosque e Remanso do Peixe, em Belém do Pará, devem abrir um laboratório onde irão testar processos de maturação e fermentação de ingredientes tomando como base os conhecimentos culinários tradicionais da região. “A fermentação surgiu como um processo de conservação, depois foi ficando marcada na memória genética e gustativa das pessoas”, afirma Thiago, que mantém parcerias com a Embrapa para estudar ingredientes locais e seus processos de fermentação e maturação. 

Em seus restaurantes, os chefs já usam o fruto da pupunha fermentado para fazer cerveja e vinagre inspirados na caiçuma, bebida alcoólica preparada com palmito por índios da região. Agora, pretendem estudar pratos como a puba (massa da mandioca fermentada), o aluá (tipo de refrigerante feito a partir da fermentação do milho) e tarubá (bebida feita com a raiz da mandioca). A ideia é valorizar o “terroir microbiano” da Amazônia. “Estamos pesquisando esses processos para resgatar essas receitas e desenvolver novas”, diz Thiago. 

Quando aberto, o laboratório dos irmãos Castanho será mais uma demonstração de como fungos e bactérias podem ser usados para reinventar a gastronomia, o que já vem sendo mostrado em alguns dos mais estrelados restaurantes internacionais. “Chefs estão sempre buscando novas formas de criar sabores. E os micróbios os têm produzido em diversas comidas há centenas de anos, alheios a nosso conhecimento sobre eles”, afirma Wolfe, de Harvard. “Agora nós, cientistas, vamos ajudar a usar esses micro-organismos como ingredientes imprescindíveis das receitas que queremos ver nos grandes restaurantes.” Ver e, claro, comer. 

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